Contribuição ao estado atual do conhecimento sobre
o sistema aqüífero guarani

No XIII Encontro de Perfuradores de Poços realizado em Ribeirão Preto, o geólogo Ernani Francisco da Rosa Filho apresentou uma palestra sobre a ‘ Contribuição ao Estado atual do Conhecimento Sobre o Sistema Aqüífero Guarani´. Ele inicia o debate demonstrando que alguns dos principais estudos para prospecção de petróleo foram desenvolvidos no Uruguai na década de 50 e os resultados das perfurações naquele país indicaram a ocorrência de águas quentes armazenadas no aqüífero Guarani. No Brasil, a partir da década de 60 e 70, em especial no Estado de São Paulo e no Paraná, através das pesquisas desenvolvidas pelo geólogo Dr. Osmar Sinelli, bem como pelos técnicos do Departamento de Águas e Energia Elétrica (DAEE), da Companhia de Saneamento de São Paulo (SABESP) e da Administração de Recursos Hídricos (ARH), foram realizadas perfurações para a captação das águas do aqüífero Botucatu (Guarani).

A partir do momento em que foi elaborado o mapa hidrogeológico regional do aqüífero Guarani (ARAUJO et al., 1995), onde são apresentadas várias secções geológicas da área estudada, induziu-se a uma concepção de que este aqüífero seria contínuo entre Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai. Tão interessante tornou-se este tema que o Banco Interamericano de Desenvolvimento Regional (BIRD) num de seus programas do Global Environmental Facility (GEF), ao final da década de noventa, fez uma doação de US$ 14.000.000,00 aos quatro países para que em 48 meses fosse realizado um estudo, a partir do qual seria possível entender questões sobre a potencialidade do aqüífero, sobre a qualidade de suas águas, sobre a sua proteção e sobre a questão deste aqüífero ser transfronteiriço. O fato do interesse do BIRD sobre o tema resultou no interesse oficial das instituições governamentais de recursos hídricos dos quatro países na elaboração do projeto que passou a ser denominado Projeto para a Proteção Ambiental e Desenvolvimento Sustentável do Sistema Aqüífero Guarani. O envolvimento do BIRD também resultou numa divulgação por parte da mídia sobre a importância do Guarani; jamais águas subterrâneas na região haviam sido tão intensamente discutidas.

Com muito empenho das instituições públicas da região (universidades, centros de pesquisas, instituições governamentais, etc.), foram realizadas várias reuniões e debates que resultaram em um documento onde foi mostrada a forma de condução de cada etapa do trabalho; acreditava-se, em princípio, que as instituições que efetivamente produziram o documento seriam as executoras do projeto, devido ao simples fato de que o conhecimento sobre este tema tinha sido produzido pelos técnicos da região. Surpreendentemente, no final desta fase, foi dado a conhecer que segundo as normas do BIRD/GEF, a execução teria que ser feita por empresas internacionais, diga-se de países industrializados, em consórcio com empresas locais. O BIRD contratou a Organização dos Estados Americanos (OEA) para administrar o projeto. Além dos governos se submeterem a esta condição, não dando a devida importância sobre a soberania nacional em termos adquirir o domínio de conhecimentos de seus recursos naturais (sobre o aqüífero Guarani), foi firmado um documento onde consta que cada instituição de recursos hídricos dos países envolvidos (no Brasil, de oito estados da Federação) teria a obrigação de ceder todo o tipo de informação sobre o aqüífero para as empresas ganhadoras da licitação. No decorrer deste período, tamanho foi o crescimento do interesse pelo Guarani que a mídia se interessou pelo assunto, transformando o Sistema Aqüífero Guarani (SAG) como o “maior” reservatório de água doce do mundo.

Observe-se que foi publicado em jornais de grande circulação no Brasil de que o “Guarani poderia abastecer a população do Brasil durante 2.500 anos”. O programa “Globo repórter” também elaborou uma matéria jornalística, onde foi destacado o Guarani como o “maior” reservatório subterrâneo de água doce do mundo”. E no ano de 2005, o programa “National Geographic” realizou uma série de filmagens sobre o Guarani e sua importância, garantindo que a matéria a ser apresentada em 144 países seria estritamente baseada em dados científicos (até a presente data, julho de 2005, o programa ainda não foi apresentado).

É evidente que a população passou a acreditar nisso, alguns técnicos também tiveram esta visualização, bem como o próprio Parlamento do MERCOSUL. Esta visão chegou a extrapolar fronteiras, tanto que este tema passou a ser discutido por organizações internacionais, a exemplo da ONU e da UNESCO. O termo “transfronteiriço” passou a ser motivo de discussão até em nível de direito internacional mesmo não se tendo confirmação sobre isto; confundiu-se, na verdade, a ocorrência da Formação Botucatu (denominada nos demais países Misiones, Tacuarembó, etc.), com a condição de aqüífero contínuo, armazenando e conduzindo a água sem a existência de barreiras hidráulicas. Para ser aqüífero transfronteiriço é incondicional que exista conexão hidráulica e que as tipologias das águas fossem similares nos quatro países!

Tão grande foi a discussão sobre estas questões, em termos políticos e técnicos, que o denominado International Shared Aquifer Resource Management (ISARM), criado na UNESCO para estudar todos os aqüíferos transfronteiriços do mundo, quem sabe não seja resultado da implantação do projeto para a Proteção Ambiental e Desenvolvimento Sustentável do Sistema Aqüífero Guarani. É difícil acreditar, afinal, que tenha havido coincidência sobre este tipo de enfoque na América do Sul e na Europa, simultaneamente.

Positivo verdadeiramente foi a integração dos quatro países sobre o tema água, em especial água subterrânea. A Associação das Universidades do Grupo Montevideo (AUGM), por exemplo, já incluiu nos seus debates o aqüífero Guarani. Esta menção é somente para recordar e registrar que quando a UFPR propôs este tema na AUGM, reunião em Buenos Aires em meados da década de noventa, não foi sequer cedido tempo para apresentação do projeto porque não era assunto de interesse do grupo (naquela época não estava efetivamente implantada a liberdade de se expressar) discutir águas subterrâneas; tudo girava em torno das águas de superfície. Por outro lado, algumas universidades que atuam na área da hidrogeologia, souberam aproveitar a oportunidade para, em parceria, desenvolver estudos sobre o aqüífero. Alguns auxílios financeiros para esta finalidade foram obtidos através do “Fundo das Universidades” que é administrado pela OEA, bem como da FAPESP-SP e do CNPq-CT/Hidro.

Diante das extensas discussões em torno do aqüífero Guarani, inclusive extrapolando o meio científico, com manifestações por parte de organizações não governamentais (ONGs) e por parte da sociedade civil, esta questão espantosamente está tramitando no Congresso Nacional sob a forma de uma ementa que modifica a designação do aqüífero Guarani para aqüífero Mercosul; trata-se de uma proposição designada por PL-5155/2005 que foi apresentada em 4 de maio de 2005, em regime de tramitação ordinária, cujo autor é o deputado federal João Herrmann Neto, do Partido Democrático Trabalhista (PDT), de São Paulo. A última ação da referida tramitação ocorreu na data de 7 de junho de 2005, junto a Comissão Parlamentar do Mercosul (MERCOSO3). O deputado federal designado para relatar a mencionada ementa é Osmar Serraglio do Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), do Estado do Paraná.Conclusões Parciais - Por conta da gravidade da questão, o assunto foi levado ao conhecimento do Sr. Joel Felipe Soares, na ocasião, presidente da ABAS – Associação Brasileira de Águas Subterrâneas, com a intenção de que este assunto fosse assumido de forma institucional mas, principalmente, baseado nas conclusões parciais das pesquisas desenvolvidas até aquela data por instituições do Brasil e do Uruguai. O documento representado pelos itens descritos a seguir, foi encaminhado pela ABAS ao Itamarati, em dezembro de 2004. Acrescente-se, a tempo, que após as conclusões apresentadas no documento da ABAS, foram obtidas informações de que alguns poços jorrantes, a exemplo dos poços de Piratuba-SC, de Termas de Londrina-PR e de Termas de Maringá-PR, tiveram reduções de pressão e de vazão no decorrer do tempo. Associando essas informações com a datação das águas feitas com carbono-14 (as idades são superiores à 30.000 anos), pode-se concluir que inexiste recarga nas áreas limitadas por falhamentos geológicos e por intrusões de diabásios; a conclusão, nesses casos, é que está sendo processado uma “mineração” da água do Guarani através de poços que penetraram parcial ou totalmente o aqüífero. O esgotamento, nesses casos, depende das dimensões do aqüífero (volume armazenado) e do tempo de extração da água. No caso específico de Termas de Maringá-PR, o poço jorrante apresentava no ano de 1978 uma vazão de 53.000 L/h e uma temperatura de 53ºC, e no ano de 2005 a vazão já havia decaído para 26.000 L/h com uma temperatura de 49ºC.

As discussões resultantes da reunião anteriormente mencionada permitiram as seguintes conclusões: Continuidade de fluxo da água subterrânea; Compartimentação do sistema aqüífero; Potencialidade do sistema aqüífero; Qualidade e temperatura da água, Condição de aqüífero transfronteiriço e investimentos para pesquisa.




Ernani Francisco da Rosa Filho - UFPR/LPH
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